Pessoa pública, bloqueio e remoção de conteúdo

Data do Julgamento:
14/06/2017

Data da Publicação:
29/06/2017

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 1132494-75.2015.8.26.0100

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Beretta da Silveira

Câmara/Turma: 3ª Câmara de Direito Privado

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 19, § 1º

Ementa:

"APELAÇÃO. Ação de obrigação de fazer. Insurgência contra sentença que julgou improcedente a ação em relação ao provedor de buscas Google. Controvérsia em torno da possibilidade de remoção ou desindexação da lista de resultados em pesquisas feitas no buscador Google dos conteúdos publicados pelo usuário identificado como Kim Patroca e/ou Kim Kataguiri, que em rede social publicou fotografia com o autor, sem a sua autorização, atribuindo comentário com posicionamento político, do qual o apelante afirma que não compactua, o que repercutiu de forma negativa em sua imagem, causando inúmeros aborrecimentos, por ser uma pessoa pública, cantor com carreira consolidada. Apesar da ineficácia prática da medida, deve o juiz tentar reduzir ao máximo as lesões que vêm sendo causadas aos direitos do apelante. As fotos e postagens, mesmo identificadas, caracterizam abuso à livre manifestação. O controle deve ser direcionado contra os excessos. Cabe ao apelado, ao menos, remover da lista apresentada em seu buscador, os sites que divulgam conteúdo ilícito do apelante, quando pesquisas são realizadas em seu nome. Ausência de responsabilização do réu por conteúdo futuro e incerto disponibilizado na Internet. Impossibilidade de controle “ad eternum” sobre matérias veiculadas por meios virtuais. Sentença reformada nesta parte. Invertidos os ônus sucumbenciais. Honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor da causa. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO."

  • Chiara Spadaccini de Teffé
    Chiara Spadaccini de Teffé em 15/02/2017

    Em 14 de dezembro de 2015, Kim Kataguiri − um dos líderes do Movimento Brasil Livre, grupo que pediu o impeachment de Dilma Rousseff − compartilhou em sua página no Facebook e em outras redes sociais foto abraçado com Ney Matogrosso em uma lanchonete em São Paulo. Na legenda, o jovem escreveu: “Depois da manifestação de ontem, encontrei um grande ídolo e defensor do impeachment: Ney Matogrosso.”, afirmação que gerou polêmica e irritou o cantor.

    Por considerar a utilização da imagem indevida ou fora do esperado, o cantor ingressou com ação, que tramitou na 21ª vara cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que requereu: concessão de liminar para que o Facebook realizasse o bloqueio imediato das páginas de Kim Kataguiri e para que a Google removesse todo o conteúdo que vinculasse o nome do autor ao nome de Kim Kataguiri; concessão de liminar para o bloqueio de canal no YouTube indicado na inicial; que se determinasse a preservação e a guarda dos registros de aplicação e acesso; e que o Facebook disponibilizasse os dados cadastrais e endereço de I.P. relacionados à Kim.

    Polêmicas à parte, no caso, vale explorar três questões: qual a importância do consentimento para a exposição das imagens retrato e atributo? Como se dá a proteção da imagem da pessoa pública? Como deve ocorrer a remoção de conteúdo na Internet que viola direito de imagem?

    - A importância do consentimento para a exposição da imagem

    No presente cenário, impõe-se a valorização da vontade do titular da imagem, que deverá expressar seu consentimento de forma livre, informada, específica e, preferencialmente, antes da utilização do bem por terceiro. O maior cuidado com o consentimento mostra-se relevante em virtude do grande avanço científico e tecnológico, que dificulta que a pessoa possa gozar de pleno controle sobre a utilização que é dada aos seus dados e atributos. Nesse sentido, entende-se que a interpretação do consentimento deve ocorrer, dentro do possível, de forma restritiva, não devendo a outra parte estender a autorização dada para o uso da imagem para outros meios além daqueles pactuados, para fim diverso do avençado ou, ainda, para pessoa distinta daquela que recebeu a autorização. Da mesma forma, é vedada a inserção de legendas equivocadas, a descontextualização da imagem ou a vinculação da pessoa ali retratada a conteúdos e fatos relevantes não informados previamente a ela, já que isso poderia violar sua imagem atributo e identidade pessoal.

    Ainda que não pareça razoável a exigência de autorização em todas as hipóteses, a divulgação de uma determinada imagem que exponha, por exemplo, conteúdo sensível de seu titular terá o potencial de causar danos a ele, devendo o intérprete ponderar, no caso concreto, os interesses em conflito.

    O consentimento para o uso da imagem é livremente revogável. Mostrando-se indevida ou abusiva a utilização da imagem, seu titular poderá requerer, a depender do caso, tanto uma tutela inibitória quanto reparatória. No caso em análise, houve consentimento para a captação da imagem retrato de Ney? Sim. Entretanto, Ney sabia que sua imagem seria associada diretamente a determinada questão política? Não. O cantor conhecia e queria, naquele momento, a rotulação que lhe foi dada, qual seja, de “defensor do impeachment”? Não. Como bem asseverou a juíza responsável pelo processo:
     

    “os claros excessos, os abusos no exercício da “livre manifestação do pensamento”, principalmente os que fazem vinculação da imagem da pessoa a informações falsas, dão supedâneo à reparação civil (...) e à tutela inibitória. No caso em testilha, as imagens e postagens publicadas no domínio da corré Facebook exteriorizam abuso na manifestação do pensamento, pois vinculam o autor a opinião política que ele afirma não defender. Ocorre que essas postagens, mesmo identificadas, caracterizam abuso à livre manifestação.”
     

    - A proteção da imagem da pessoa pública

    No caso da pessoa que se torna famosa por conta de sua atividade profissional, que tem repercussão pública, o âmbito de proteção de sua vida privada e intimidade resta menor do que o de um anônimo, já que parte relevante de sua vida se desenvolve publicamente em virtude de suas próprias opções existenciais. A pessoa pública desperta maior interesse na coletividade, estando constantemente sob o foco da mídia, o que acaba restringindo, em certa medida, a abrangência da tutela de seu direito de imagem, especialmente quando ela se expõe em local público ou participa de evento de interesse coletivo.

    Entretanto, as diversas possibilidades de captação, exibição e utilização da imagem alheia devem encontrar alguns limites. Não parece razoável que qualquer aparição de uma pessoa famosa em público autorize a captação e a veiculação de sua imagem livremente por terceiros, devendo ser verificados, por exemplo, o interesse público na divulgação do fato e a expectativa de exposição do retratado naquele momento. Por maior que seja o interesse que determinada pessoa desperte, ela ainda terá garantido seu direito fundamental à imagem, podendo pleitear, sempre que achar necessário, a proteção do mesmo. Ao aceitar que alguém capte sua imagem em determinado contexto, a pessoa notória não autoriza que ela livremente utilize e divulgue em outras situações ou conjunturas sua imagem.

    - Remoção de conteúdo que viola direito de imagem

    A análise de determinada remoção de conteúdo, como regra, enfrenta a ponderação entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Havendo violação de imagem pode o juiz, na forma do artigo 19 do Marco Civil da Internet, impor a remoção de conteúdo postado por terceiro em provedor de aplicações de internet, como são classificadas as redes sociais. Nessas situações, deve o magistrado analisar criteriosamente as razões do pedido de remoção e o real dano que tal conteúdo pode causar, de forma a não violar a livre manifestação e causar censura injustificada. No Brasil, não custa lembrar, a liberdade de expressão é fundamento e princípio para a disciplina do uso da internet (arts. 2º e 3º), condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet (art. 8º) e orienta o regime de responsabilidade civil tratado no Marco Civil (art. 19, caput e § 2º).

    O pedido do autor – bastante amplo e genérico, por sinal – caso acolhido integralmente poderia cercear o discurso de Kim nas redes sociais e provocar remoções desproporcionais de conteúdos na rede. Como foi ponderado na sentença, prolatada em 05 de setembro de 2016, a presente situação não era suficiente para suprimir um perfil, instrumento da rede social para a exposição de opiniões e pensamentos, bloquear as páginas de Kim ou bloquear determinado canal no YouTube. O controle deve ser direcionado contra os excessos, como a foto publicada e a legenda a ela relacionada, devendo, no caso, ser indicados os URLs onde os conteúdos lesivos se encontram para que, só então, ocorra a remoção dos mesmos pelos provedores responsáveis.