Extravio de senha e exclusão de canal

Data do Julgamento:
27/09/2016

Data da Publicação:
30/09/2016

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 1098471-74.2013.8.26.0100

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Desª Christine Santini

Câmara/Turma: 1ª Câmara de Direito Privado

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 5º, VIII e artigo 10

Ementa:

"Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais - Empresa autora que pretende compelir a ré a fornecer o “login” e a senha de acesso ao canal por ela própria criado no “Youtube”, a fim de atualizar os vídeos promocionais ali inseridos, que não mais correspondem à linha de produtos e serviços oferecidos a seus consumidores, com pedido alternativo de exclusão da conta - Sentença que julgou parcialmente procedente a ação, impondo à ré a obrigação de fornecer à autora os dados solicitados - Recurso de apelação interposto pela requerida - Hipótese em que a ré, logo após ter sido notificada administrativamente pela autora, forneceu a ela o “link” para o resgate dos dados de sua conta no “Youtube” - Impossibilidade de fornecimento dos dados requeridos pela autora em face do sistema de proteção por tecnologia criptografada implementado pela ré - Ausência, ademais, de previsão legal que obrigue provedores de internet a armazenarem as senhas de seus usuários Recurso provido para afastar a obrigação da ré de fornecer a senha de acesso da autora ao canal http://www.youtube.com/user/iksolution/vídeos - Observação, contudo, de que remanesce o direito da empresa autora à exclusão definitiva do referido canal, a fim de preservar sua reputação e o bom relacionamento com seus clientes. Dá-se provimento ao recurso de apelação, com observação."

  • Anahi Paloma Franzin Llop
    Anahi Paloma Franzin Llop em 17/01/2017

    A decisão em comento trata de matéria relacionada a aplicação de internet (rede social caracterizada pela disponibilização de conteúdos de vídeos dos próprios usuários), de conteúdos de terceiros.

    A lide se originou da dificuldade da parte autora em acessar sua conta na referida rede e remover um conteúdo, postado por ela mesma.

    Neste sentido a ação de obrigação de fazer consistia em obrigar a aplicação a fornecer o login e a senha de acesso de sua conta, como também, pagamento de danos morais.

    Importante mencionar que, ao efetuar o cadastramento em qualquer rede social, há a aceitação prévia do usuário aos Termos e Condições de Uso da plataforma. Cada vez mais, aplicações de redes sociais vem sendo utilizadas para fins promocionais de empresas, que veiculam material sobre seus produtos e funcionalidades. Não se discute aqui publicidade contratada na plataforma, mas o uso sob a ótica de usuário/autor da ação da plataforma para tal fim. Em resumo, não se trata de publicidade contratada.

    Feito o esclarecimento acima, as aplicações/plataformas de internet são ferramentas que funcionam a partir de programações, sem gerenciamento humano. Essas programações devem se sujeitar a requisitos legais, entre eles, a utilização de tecnologia adequada, sigilo de dados, segurança.

    O quesito segurança é uma responsabilidade “compartilhada” entre aplicação e usuários. Da aplicação no sentido de realizar todos os esforços e controles para garantir a segurança da plataforma em vários aspectos: evitar vazamento de dados, adotar controles de acesso e segurança aos dados e contas, utilizar tecnologias adequadas existentes no mercado para garantir a segurança, entre outros. Como mencionado, a responsabilidade é compartilhada pelo usuário, este além da guarda e sigilo de seu login e senha, deve garantir com uso de antivírus e proteções existentes no mercado que seus dados não sejam de alguma forma “roubados” e utilizados por terceiros.

    Quando pensamos no uso de aplicações de internet por empresas, acabamos nos deparando com uma falta de controle e cuidados, até mesmo, um certo amadorismo decorrente do despreparo em lidar com essas novas ferramentas e funcionalidades.

    No caso, a aplicação de internet só consegue identificar e assegurar o acesso do usuário justamente através do uso de seu login e senha. Na hipótese do usuário “esquecer” estes dados de acesso – o que não deveria ocorrer quando consideramos se tratar pessoa jurídica, divulgando vídeos de cunho promocional – a aplicação deve oferecer meios adequados para que o usuário com segurança recupere seu login e senha, utilizando meios e tecnologias que garantam que a senha não seja partilhada com terceiros que eventualmente tentem invadir a conta do usuário, ou mesmo, por razões óbvias de segurança, funcionários da própria aplicação de internet.

    Sem tal procedimento, a liberação de acesso pode trazer riscos aos usuários que poderiam ter pedidos de falsos acessos às suas contas liberados.

    Feitas essas considerações, uma vez interposta a ação judicial para a remoção do conteúdo, mediante ordem judicial e, em conformidade com o Marco Civil, a aplicação tem segurança para então remover o conteúdo apontado. Já a obrigação de fornecer o login e senha, tal qual previu o magistrado em decisão de primeira instância, pode, em tese, gerar um incidente de segurança, eis que de alguma forma, a quebra da senha anterior ocorrerá de forma distinta das previstas em seus protocolos de segurança. Acertado o afastamento dos danos morais, sobre os quais não iremos discorrer.

    Em apelação, a aplicação de internet invoca o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14, art. 5º, VIII) que a desobriga guardar dados como a senha de seus usuários, obrigação, aliás, exclusiva do usuário.

    Com acerto a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que pese o Marco Civil da Internet não estar em vigor na época dos fatos, o mesmo reconhece a inexistência do dever de guarda de senha de seus usuários. O procedimento é adotado por muitas empresas do segmento, exatamente para evitar vazamento de senhas, que de tempos em tempos, ocorrem em algumas empresas que enfrentam problemas de imagem, investigações de agências de defesa do consumidor e, até mesmo, e alguns casos de agências de proteção de dados.

    Neste sentido, uma vez identificado de forma inequívoca o conteúdo sobre o qual se pleiteia acesso para efetuar a remoção, conforme art. 19, parágrafo 1º do Marco Civil, o conteúdo deve ser removido mediante ordem judicial. Decisão de acerto do Tribunal que converteu uma obrigação de fazer impossível em uma ordem de remoção aderente aos requisitos do Marco Civil da Internet.

    Importante ressaltar a responsabilidade das empresas usuárias de funcionalidades de redes sociais estarem cada vez mais preparadas para seu uso, garantindo que o acesso não seja restrito a um empregado específico que pode deixar a empresa e o acesso se perder. Ou, pior ainda, após sua saída, continuar acessando a rede e adicionar posts que prejudiquem a empresa.