Baleia Azul e investigação criminal

Data do Julgamento:
03/10/2017

Data da Publicação:
06/10/2017

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ

Tipo de recurso/Ação: Mandado de Segurança

Número do Processo (Original/CNJ): 0043318-38.2017.8.19.0000 e 0098176-16.2017.8.19.0001

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Suimei Meira Cavalieri

Câmara/Turma: 3ª Vara Criminal da Capital

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 12

Ementa:

"MANDADO DE SEGURANÇA. FACEBOOK. “DESAFIO DA BALEIA AZUL”. FORNECIMENTO DE CONTEÚDO DE COMUNICAÇÕES PRIVADAS E REATIVAÇÃO DE PERFIL FICTÍCIO PARA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. MULTA DIÁRIA E SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES. DESCABIMENTO. 1) A questão principal dos autos gira em torno do fornecimento do conteúdo das comunicações privadas de usuários do Facebook suspeitos de integrarem organização criminosa voltada para a prática do denominado “Jogo da Baleia Azul” ou “Desafio da Baleia Azul”. Trata-se de suposto jogo que coopta adolescentes em redes sociais na internet, propondo-lhes uma sequência de desafios a cada etapa mais difíceis e cuja superação traz risco de lesões corporais e suicídio. O indigitado “jogo” recentemente chamou a atenção da sociedade e fez deflagrar investigação policial em vários estados da federação, dentre os quais o Rio de Janeiro, onde foram detectados casos suspeitos e seus possíveis “curadores” (assim chamados os aliciadores dos menores). Nesse contexto, com o escopo de infiltrar-se dentre seus adeptos, a autoridade policial criou um perfil fictício no Facebook para simular adolescente suscetível a participar do jogo. Outrossim, requereu em juízo que o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., ora Impetrante, fornecesse os dados cadastrais dos suspeitos, registros de criação e acesso aos perfis de usuário, além do conteúdo armazenado nas respectivas páginas. Deferidos os requerimentos, a empresa Impetrante foi oficiada e se reportou às empresas Facebook Inc. e Facebook Ireland Limited (operadores do site) e, através destas, obteve e forneceu os perquiridos dados cadastrais e registros. Não obstante, informou a impossibilidade técnica e jurídica de fornecer o conteúdo das páginas, armazenados em provedor localizado nos Estados Unidos da América, cuja legislação exige autorização de juízo federal daquela país para a quebra de sigilo. 2) Mediante a juntada de seus atos constitutivos, a Impetrante demonstra que se cuida apenas de uma representante comercial, vale dizer, uma negociante de espaços publicitários, não gerindo o conteúdo das informações existentes na rede social. Decerto causa certa perplexidade o fato de o grupo empresarial atuar de forma bastante expressiva no Brasil e não manter aqui os seus respectivos registros, incluindo o conteúdo das páginas virtuais. Malgrado, a Lei 11.965/2014 (Marco Civil da internet), a despeito de prever o dever de armazenamento de dados por provedores, não dispôs acerca da obrigatoriedade da guarda desses dados em território nacional. Despropositado avaliar aqui se a guarda dos dados em localidade estrangeira se assenta em dificuldades técnico-operacionais ou decisão estratégica do grupo Facebook, ou em uma conjugação de ambos os fatores. O ponto é que a empresa brasileira não detém esses dados, o que torna impossível fornecê-los e, assim, cumprir integralmente a determinação judicial. Por conseguinte, descabido impor-lhe quaisquer medidas coercitivos, as quais, como sabido, não possuem finalidade punitiva. Ademais, nos termos do art. 12 da Lei 12.965/2014, trata-se a suspensão temporária das atividades de sanção voltada a coibir violação ao direito à privacidade do usuário do serviço e ao sigilo das comunicações – hipótese exatamente contrária ao caso em análise – ao passo que a imposição de multa diária em procedimento investigatório criminal sequer encontra previsão na legislação pátria. 3) Para dar efetividade ao provimento judicial, resta recorrer-se aos mecanismos de cooperação internacional através do Ministério da Justiça, conforme disposto no Decreto Presidencial nº 3.810/2001, que promulgou o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre os Governos da República Federativa do Brasil e dos Estados Unidos da América – onde sediada uma das empresas detentoras dos perquiridos dados. 4) Descabido forçar à Impetrante a reativar perfil fictício, posto contrariar os termos de uso do serviço privado, ao qual se jungiu o usuário ao se cadastrar na rede social. Quiçá possa o grupo Facebook voluntariamente estabelecer exceção em seus termos de uso, ou firmar acordo com as autoridades brasileiras, com quem a Impetrante afirma colaborar, de molde a permitir a criação de perfil fictício em hipóteses como a presente. Contudo, obrigar a Impetrante ou as operadoras a tanto, não evidenciado o dolo de obstruir a investigação, ofende o princípio da legalidade disposto na Constituição da República (art. 5º, inciso II, da CRFB). Concessão da segurança."