Identificacão de usuário e norma de eficácia contida

Data do Julgamento:
10/03/2015

Data da Publicação:
13/03/2015

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Agravo de Instrumento

Número do Processo (Original/CNJ): 2168213-47.2014.8.26.0000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Rômulo Russo

Câmara/Turma: 7ª Câmara de Direito Privado

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 15

Ementa:

"Ação de obrigação de fazer. Decisão interlocutória que deferira a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional a fim de impor à ré-agravante a obrigação de fornecer informações e dados sobre usuário responsável pela criação de perfil e publicações em rede social na Internet (Facebook). Lei n. 12.965/2014 que detém natureza jurídica de norma de eficácia contida, desprovida ainda de regulamentação. Agravante que carreara ao instrumento evidências de que o cumprimento da determinação judicial guerreada tornara-se materialmente impossível. Agravo provido."

  • Marcelo André Bulgueroni
    Marcelo André Bulgueroni em 29/10/2016

    No Agravo de Instrumento analisado a empresa Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. insurge-se contra decisão em primeira instância de processo em segredo de justiça, que solicita a liberação de informações relativas a perfil falso no Facebook que divulgava informações confidenciais da empresa agravada. Dentre as informações solicitadas estavam dados de cadastro, IPs originários de acesso, datas e horários, entre outros.

    O principal argumento da defesa do Facebook no caso é a exclusão prévia do perfil na rede social por seu responsável, sem que tenha ficado qualquer registro nos servidores do Facebook. Argumenta, ainda, que a eficácia do art. 15 do Marco Civil da Internet estaria condicionada (eficácia contida) a regulamento que, à época da interposição do agravo (setembro de 2014) ainda não existia. A agravada manifestou discordância, alegando que haveria ainda disposições gerais de direito que obrigariam o Facebook a ter mantido registros.

    No Acórdão analisado teve protagonismo o Marco Civil da Internet e sua entrada em vigor a partir de 23 de junho de 2014. Há, inclusive, interessante e acertada menção ao fato de uma das publicações questionadas ter ocorrido em 28.06.2014, dentro da vigência do Marco Civil da Internet, não influindo na decisão final, contudo, que seria de procedência parcial do agravo, aceitando o argumento de obrigação impossível em função da inexistência da informação solicitada.

    Referido Acórdão foi alvo de Embargos de Declaração em março de 2015 que, rejeitados, trouxeram Recurso Especial da agravada em maio de 2015, negado pelo mesmo TJ em julho de 2015, ensejando Agravo em Recurso Especial pela agravada em setembro de 2015, ocorrendo remessa ao Superior Tribunal de Justiça em fevereiro de 2016. O Agravo em Recurso Especial, entretanto, foi julgado prejudicado em decisão monocrática por falta de interesse da parte agravante em 14 de outubro de 2016, tendo em vista que a ação originária teve prolação de sentença (inacessível em função de segredo de justiça). Dessa forma, o Acórdão analisado permanecerá inalterado e deverá ser arquivado quando remetido pelo STJ em retorno ao TJSP.

    Quando em fase de discussão e consultas públicas, a disciplina estabelecida pelo Marco Civil da Internet para a guarda de registros foi alvo de acirradas discussões. Defensores da privacidade e do anonimato desfecharam duros e, em determinados pontos, relevantes argumentos contra a consolidação de um sistema normativo que estabelecesse obrigações claras para a guarda de registros e sua solicitação. Temia-se o mau uso de informações, bem como o rastreio excessivo de condutas dos usuários.

    Entretanto, é graças à existência do Marco Civil da Internet que discussões como a vista na decisão analisada deixarão de existir em grande parte. A obrigação de guarda é hoje indubitável, e importantes proteções a vítimas, bem como a prevenção de desnecessárias impunidades, são viabilizadas pela exigência da guarda de registros de acesso por prazos mínimos trazida pelo Marco Civil da Internet. Importante ressaltar que também é disciplinado a quem e quando se deve franquear acesso a tais dados.

    Todo aquele que desejar prestar serviços na internet brasileira hoje está ciente de que deve guardar registros de conexão e/ou acesso a aplicações na internet, independentemente da localização de seus servidores. Fosse isso uma realidade quando da propositura da ação que originou a decisão analisada e esta sequer existiria, permitindo maior qualidade na discussão de primeira instância, certamente.

    Voltando à decisão analisada, lamentamos apenas não ter havido um aprofundamento da questão da eficácia contida, talvez por ausência de provocação da própria agravada.

    De uma parte, entendemos que não há que se discutir da eficácia da previsão de guarda de registros do Marco Civil da Internet, mesmo antes da publicação de sua regulamentação em 11 de maio de 2016, pois as disposições dos arts. 13 a 15 do Marco Civil são exequíveis por si só, e não ficam condicionadas à regulamentação, que apenas detalha a forma de armazenamento dos dados, conforme art. 15 do Decreto regulamentador.

    De outra, superada a questão da eficácia pré-regulamentação, poderia ter sido dada maior atenção ao fato de que uma das publicações do perfil questionado ocorreu após a entrada em vigor do Marco Civil da Internet. Ora, se ainda houve uma publicação nesse período, o encerramento do perfil, com a tentativa de apagamento de todas as suas informações, ocorreu sem dúvida já com o Marco Civil da Internet em vigor, o que tornaria em tese o prestador de serviços da internet responsável pelo fornecimento de todas as informações relativas a esse período no qual, eficácia contida ou não, esteve legalmente obrigado a manter registros sob o Marco Civil.

    Serve, assim, a presente decisão para, independentemente do mérito da ação originária, ilustrar a relevância de um dos principais ganhos trazidos pelo Marco Civil da Internet: a previsibilidade jurídica quanto à guarda de registros de acesso.