Cassação liminar de bloqueio do WhatsApp

Data do Julgamento:
17/12/2015

Data da Publicação:
18/12/2015

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Mandado de Segurança

Número do Processo (Original/CNJ): 2271462-77.2015.8.26.0000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Xavier de Souza

Câmara/Turma: 11ª Câmara de Direito Criminal

Ementa:

"Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado com objetivo de cassar, liminarmente, ordem expedida nos autos do procedimento de Interceptação Telefônica nº 0017520-08.2015.8.26.0564 (controle nº 1449/2015 cautelar) para que fosse suspensa temporariamente as atividades do aplicativo denominado WhatsApp pelo prazo de quarenta e oito horas, em todo o território nacional. (...)

Os subscritores da inicial alegam que a decisão judicial atacada é ilegal, pois a) a pretexto de investigar três linhas telefônicas, afasta milhões de usuários, incluindo redes de serviços de utilidade pública; b) não intimou a impetrante a cumprir a ordem judicial, o que era possível através da cooperação jurídica internacional; c) violou o Marco Civil da Internet (Lei Federal nº 12.965/14) e o Decreto nº 3.810/2001. (...)"

  • Dirceu Pereira de Santa Rosa
    Dirceu Pereira de Santa Rosa em 28/12/2015

    Bloqueio do WhatsApp : O que está passando despercebido

    O bloqueio temporário do WhatsApp no Brasil foi, sem dúvida, o principal assunto da semana no Brasil em se tratando de Direito e Tecnologia. Ao menos 100 milhões de pessoas no Brasil foram prejudicadas por uma decisão que foi, no mínimo, desproporcional.

    Alguns artigos bem bacanas foram feitos, pelo Renato Cruz e pelo Ronaldo Lemos, assim como boas matérias saíram no JOTA e no G1 . O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) também se posicionou sobre o tema. No entanto, o teor forte de alguns artigos me chamou à atenção, bem mais do que o fato, que já é de conhecimento público, de que a decisão foi revertida.

    Meu entendimento é que a decisão pelo bloqueio do WhatsApp se valeu de uma interpretação errônea dos Arts.10 e 12 do Marco Civil ( Lei 12.965/14 ), combinada de forma bem incomum com alguns dispositivos da Lei de Combate às Organizações Criminosas ( Lei 12.850/13). Muitos especialistas já teceram comentarios bem interessantes sobre o assunto. Por isso, preferi focar em 2 pontos que, ao meu ver, talvez estejam sendo ignorados neste debate.

    O primeiro ponto que me parece ter passado despercebido: o Brasil tem um acordo de cooperação em matéria criminal com os EUA, onde a WhatsApp Inc. está localizada e de onde seria possível acessar dados pessoais e histórico de informações sobre o criminoso cujos dados nossa Justiça queria obter.

    Referido Decreto 3810/01 prevê diversas normas de cooperação entre Brasil e EUA que, se utilizadas, talvez atingiriam os fins desejados pelo Juízo de São Bernardo do Campo. O rol de opções mencionado no Decreto é exemplificativo, de modo que um pedido de cooperação poderia envolver a entrega de dados de comunicações pessoais sob sigilo. Ademais, há ainda a possibilidade de que o próprio pedido de cooperação tramite e seja cumprido de forma sigilosa, a fim de preservar investigações em andamento.

    Alguns articulistas que se posicionaram de modo favorável ao bloqueio entendem que os procedimentos de cooperação sejam muito semelhantes com os das cartas rogatórias, lembrando a burocracia que geralmente as envolvem.

    No tempo das cartas rogatórias entre Brasil e EUA, um procedimento desses realmente seria bem complexo e moroso. Toda solicitação envolvia traduções juramentadas, e passava pelo crivo do Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exterior e pelas Embaixadas Brasileiras, bem como pelos órgãos respectivos no país destinatário. Um caminho que é realmente tortuoso e de difícil acompanhamento, e que muitas vezes era inútil, pois a prova não seguia os ritos comuns no Brasil.

    Por outro lado, no recente sistema de acordos de cooperação jurídica em matéria penal, os pedidos recebidos através das autoridades judiciárias, do Ministerio Publico ou da Polícia são mais céleres e realizados com apoio das autoridades locais do pais que celebrou referido acordo com o Brasil. Nos casos envolvendo combate aos crimes de corrupção, esta cooperação tem sido utilizada pelas autoridades brasileiras sem maiores prejuízos para o andamento das investigações.

    Curiosamente, o próprio TJSP disponibiliza um manual bem interessante, elaborado pelo Ministério da Justiça, que explica o funcionamento dos acordos de cooperação. Para quem quer saber mais sobre o assunto, certamente vale a leitura.

    Pelo que foi divulgado, o WhatsApp não haveria atendido a determinação judicial de julho de 2015, reiterada em agosto. Talvez se adotada a cooperação judicial, acredito que antes de dezembro as informações teriam chegado ao juízo.

    E isso me lembra o segundo ponto que passou despercebido: o tratamento de dados pessoais e privados, e a necessidade de respeito às leis locais do país onde o "app" tem uma equipe técnica, e políticas de "compliance" afins.

    Empresas sediadas em países que tem leis para a proteção de dados pessoais geralmente tem um cuidado maior no trato dos dados de usuários de seus serviços. A queda do “safe harbor” entre EUA e Europa para o fluxo de dados pessoais ocorreu justamente em vista de interferências do governo norte-americano na privacidade de usuários do Facebook (o caso "Schrem").

    Não creio que exista um "controvertido pretexto de preservar dados pessoais” quando uma empresa, sem presença física ou servidores de dados acessíveis do Brasil, indique que precisa receber uma ordem judicial via acordo de cooperação. Mesmo quando esta empresa seja parte de um grupo econômico que possua estabelecimento no Brasil. Afinal, sua equipe técnica não fica aqui, assim como os responsáveis por analisar, remover, guardar ou "isolar" conteúdos para posterior investigação e/ou reporte às autoridades.

    Deste modo, um provedor de serviços no exterior, sujeito também às leis do pais onde se encontra baseado, naturalmente é mais rigoroso com pedidos de dados pessoais que sigam rito diferente dos acordos de cooperação. Ou que tragam problemas para o provedor perante à legislação que deve obedecer, de seu país de origem, especialmente em casos que impliquem na garantia de um tratamento sigiloso dos dados entregues.

    Acredito que os provedores de serviços certamente ficariam felizes em atender pedidos de entrega de dados pessoais, desde que os mesmos possam ser analisados e tratados de forma compatível com as práticas que norteiam suas operações diárias.

    Ademais, a imensa maioria dos provedores de serviços tem políticas de "compliance" internas para lidar com este tipo de situação, ou se utilizam de consultores externos e advogados que se empenham em garantir níveis satisfatórios de "compliance" na área de dados pessoais.

    Finalmente, vale lembrar que os desentendimentos entre o WhatsApp e as autoridades brasileiras não começaram agora. O WhatsApp é alvo constante das operadoras de telefonia móvel no Brasil, de modo que algumas certamente não se opuseram a cumprir dita ordem de bloqueio. Um juiz do Piauí chegou a determinar que o WhatsApp fosse, em março de 2015, bloqueado em todo o território nacional através dos "backbones" de Internet.

    O resultado prático da decisão judicial foi, de fato, a migração de usuários para outros aplicativos, com presença menor ainda no Brasil, e a “popularização” de aplicativos de VPN que “burlam” bloqueios e dificultam o rastreamento do uso de "apps" para o cumprimento de decisões judiciais como a indicada.

    Acredito que também as pessoas que fazem mau uso de "apps" e serviços de comunicação no Brasil devem ter imaginado que, a partir de agora, seria melhor utilizar tais ferramentas para encobrir atos ilícitos. E mesmo assim, a tendência é que mais decisões como a de São Bernardo do Campo aconteçam.

    Como bem lembra Ronaldo Lemos em um artigo recente, "Da mesma forma como não se proíbe a circulação de um jornal ou uma revista, também não se proíbem sites ou aplicativos. Tal prática violaria até a Convenção Americana de Direitos Humanos, que veda qualquer ação análoga à censura".

    Ao mesmo tempo, cria-se um ambiente de insegurança jurídica para desenvolvedores de "apps" disponibilizados no Brasil, que deverão mais e mais recorrer a advogados especializados neste ramo do Direito para saber, e entender. como lidar com esse novo "Risco Brasil". Certamente interessa aos provedores de serviço coibir o mau uso de seus "apps" ou sites, seja cooperando com as autoridades conforme os acordos de cooperação ou com um maior cuidado das autoridades brasileiras nos pedidos, sendo eles identificáveis e com sigilo judicial garantido.

    Assim, todos saem ganhando e o Brasil não será visto como um ambiente temerário para o uso responsável da Internet.

  • Paulo  Rená da Silva Santarém
    Paulo Rená da Silva Santarém em 28/12/2015

    O bloqueio do whatsapp foi culpa do Marco Civil?

    O acesso ao mensageiro instantâneo whatsapp esteve suspenso em todo o Brasil desde o início da madrugada até a tarde de 17/12/2015, por uma determinação judicial enviada às empresas de telecomunicação, e emitida em um processo cautelar de natureza penal que tramita em segredo de justiça. Prevista para durar dois dias, em menos de 12 horas, a decisão foi revogada.

    Mas o Ministério Público informou que o pedido de bloqueio do whatsapp foi pedido à Justiça com amparo na Lei nº 12.965/2014, o que foi suficiente para reavivar toda uma oposição ao Marco Civil da Internet, apontado por diversos boatos como sendo um mecanismo estatal de controle e censura.

    Essa perspectiva não procede, uma vez que o Marco Civil não prevê de forma específica a suspensão de um serviço online como sanção para a hipótese de descumprimento de ordem judicial.

    O bloqueio do whatsapp provavelmente decorreu de uma interpretação do inciso III do art. 12, cujo comando prevê como sanção a “suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11”. Mas esse artigo está na sessão que trata “Da Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicações Privadas”, e os tais “atos previstos no art. 11” são “coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet”.

    O conceito de tratamento de comunicações não abarca propriamente a prestação do serviço online de comunicação em si, mas, sim, um eventual processamento do conteúdo dessa comunicação, por exemplo, para veiculação de publicidade.

    Mas ainda que seja possível essa leitura abrangente, o whatsapp só poderia ser sancionado caso a própria empresa estivesse ofendendo a “preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas” (art. 10) ou violando “a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros”. Todavia, considerando que o processo no qual foi determinado o bloqueio detém natureza criminal, envolvendo tráfico de drogas, certamente não foi o whatsapp que infringiu a lei.

    Em verdade, como defende o Rafael Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), bloquear aplicativos como o WhatsApp é uma violação ao Marco Civil.

    Primeiro, porque a Lei nº 12.965 lista como princípios a liberdade de expressão, a finalidade social da rede e o reconhecimento de sua escala mundial. Bloquear apenas no Brasil uma ferramenta de comunicação utilizada por milhões de pessoas, para os mais diversos fins (inclusivemédicos) acaba por criar uma situação em que muitos usuários se sujeitarão a soluções tecnológicas nem sempre seguras para poderem manter o uso do app.

    Segundo, porque determinar a restrição do acesso a uma aplicação específica corresponde a impor uma discriminação de pacote de dados que é vedada pelo art. 9º do Marco Civil, que assegura o direito à neutralidade de rede.

    Nesse mesmo sentido, inclusive, manifestou-se expressamente o Comitê Gestor da Internet no Brasil.

  • - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ]
    - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ] em 18/12/2015

    O processo, embora marcado como segredo de justiça, teve a íntegra do despacho publicada na edição 2030 do DJe paulista, págs. 499 e 500 e divulgada pela imprensa especializada - como por exemplo, no site Consultor Jurídico.