Suspensão de serviço de provedor de aplicações
- Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ] em 28/02/2015

Não é a primeira vez que se tenta bloquear ou suspender judicialmente um serviço inteiro em detrimento aos usuários de boa fé. Podemos citar um dos primeiros casos análogos como sendo o da atriz Daniela Cicarelli, no início de janeiro de 2007, que requereu em juízo o bloqueio de vídeo publicado no serviço Youtube sem sua autorização. Mais recentemente houve outro caso em Santa Catarina, de cunho eleitoral, cuja decisão judicial visou bloquear o Facebook por 24hs, em vista da publicação de "material depreciativo" contra um vereador de Florianópolis. Cada qual com suas peculiaridades e características, mas com resultados semelhantes - e muitas vezes indesejados.

Resultados polêmicos em detrimento da liberdade de imprensa e direito à informação, e que instigam a opinião pública, precisam sempre ser encarados com ceticismo e cautela. Vários são os enfoques possíveis, eis alguns deles, observando que a liminares em Mandado de Segurança têm eficácia apenas em relação aos impetrantes:

1-) Do segredo de justiça: o processo originário tramita em segredo de justiça. Em uma decisão de intensa magnitude, é previsível toda uma gama de elocubrações e conjecturas, até as que se aproveitam para disseminar dúvidas e incertezas, como as que apregoam que o Marco Civil justificou a prática de censura. Desta forma, embora eventual pedido de decretação de segredo de justiça se justifique - por se tratar, por exemplo, de imagens de pornografia infantil - o interesse público resta prejudicado diante da divulgação apenas parcial na imprensa, e a situação acaba por gerar insegurança jurídica. Houve notícias, inclusive, de migração para outros serviços em função da pretensa suspensão.   

2-) Da desproporcionalidade da medida: o bloqueio ou suspensão de todo um serviço é medida extrema e radical, e caberiam várias analogias para exemplificar tal desproporção. Seria algo mais ou menos assim: uma concessionária de rodovia federal que fosse obrigada, por ordem judicial, a entregar filmagens de determinada praça de pedágio. Em não observando o cumprimento da ordem, o juiz ordenaria o fechamento de toda a estrada. 

É de se perguntar se as astreintes, ou multa diária, já não seriam suficientes (se e quando exequiveis), ou se haveria outra alternativa, outra medida de coerção que não resultasse em impacto tão danoso inclusive para a imagem do próprio Judiciário, que (erroneamente) passa a ser o alvo da frustração dos usuários do serviço constrito.

De qualquer sorte, entendemos que a medida judicial extrema tem lastro no Código de Processo Civil, verbis:
 

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)


3-) Da ineficácia da medida: além de geralmente desproporcionais, medidas constritivas radicais acabam por se mostrar ineficazes do ponto de vista prático. É tecnicamente dificultoso conseguir suspender ou bloquear, efetivamente, um serviço de provimento de aplicações em um determinado território, sendo a própria internet um "território" sem fronteiras - o chamado ciberespaço.

A Grande Rede tem um caráter descentralizado, seus protocolos e sua arquitetura fazem com que as rotas desviem os obstáculos e procurem caminhos alternativos. A colocação de filtros é também contrária aos princípios mais basilares da Internet, que deve permanecer livre e aberta e acessível. Ademais, há toda uma sorte de mecanismos, programas e configurações para contornar eventuais bloqueios ou filtros. Basta um pouco de conhecimento de informática, ou alguma disposição para aprender. 

4-) Da inexistência de sede do WhatsApp no Brasil. A quem pertence tal aplicativo? A empresa possui sede no Brasil? A 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP enfrentou a questão em outubro de 2014 (íntegra disponível no OMCI) e destacamos:
 

"A alegação da agravante de que não possui gerência sobre o Whatsapp (que, por seu turno, tem sede apenas nos EUA) não se sustenta, conquanto notória a aquisição, pelo FACEBOOK do referido aplicativo (que somente no Brasil, conta com mais de 30 milhões de usuários).

Bem por isso, o fato de Whatsapp não possuir representação em território nacional não impede o ajuizamento da medida em face do FACEBOOK (pessoa jurídica que possui representação no país, com registro na JUCESP e, como já dito, adquiriu o aplicativo referido)."


5-) Da inaplicabilidade do Marco Civil da Internet para a prática de censura. Apesar da decretação de segredo de justiça, houve a divulgação de nota à imprensa por parte da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado do Piauí, enfatizando que "todas as representações e decisões judiciais (...) foram tomadas com base na lei que instituiu o disciplinou o Marco Civil da Internet".

O Marco Civil foi criado justamente para evitar situações que pudessem cercear as liberdades e prejudicar o exercício da liberdade de expressão e o direito à privacidade. Em virtude do segredo de justiça, cogitou-se de diversos dispositivos que poderiam ter sido invocados pelo julgador, correta ou incorretamente.

Pernóstica, no nosso entender, a atribuição de "culpa" do Marco Civil na decisão de suspensão do serviço, atacada no Mandado de Segurança. O caso, segundo noticiado, envolve o descumprimento de ordem judicial de remoção de conteúdo gerado por terceiros.

O artigo de aplicabilidade mais provável é o art. 19, que prevê a responsabilização civil do provedor de aplicações em função de conteúdo gerado por terceiros - e apenas se "após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente".

Ainda, é bom lembrar que, segundo disposto no art. 18, "o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros".

Podemos concluir que são necessárias soluções judiciais mais eficazes (e menos impactantes ao interesse público) para situações extremas envolvendo a Internet, bem como é necessário que empresas que aqui prestem serviços, direta ou indiretamente, atendam e obedeçam a legislação local e as ordens judiciais emanadas pelo Estado-juiz. O grande desafio atual é, portanto, concliliar este binômio.

Por fim, destacamos o disposto no novo Código de Processo Civil, e que, salvo melhor juízo, substituirá o disposto no atual art. 461, transcrito acima. Ainda não nos debruçamos sobre a nova legislação a ser sancionada, mas em seu caput não mais é caso de "ação que tenha por objeto", mas de "cumprimento de sentença que reconheça". Verbis:
 

Art. 550. No cumprimento da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.  
(...)