Envio de spam e ausência de interesse de agir
Caio Miachon Tenório em 02/03/2016

Apesar de a decisão judicial reconhecer que o envio e recebimento de spams não é passível de responsabilização civil, existe certa controvérsia doutrinária a respeito do tema, até mesmo porque o Marco Civil da Internet nada especificou a respeito do spam. Na hipótese concreta em análise, a decisão judicial optou por não imputar responsabilidade ao usuário acusado de ser spammer, aduzindo que o processo não preenchia os requisitos de necessidade e utilidade.

Spam, nada mais é do que a mensagem eletrônica indesejada que, normalmente, têm conteúdo comercial e visa divulgar produtos ou serviços em massa, a múltiplos destinatários, na esperança de que pelo menos alguns deles se interessem pelo que foi divulgado.

Como dito, o Marco Civil não regulamentou a matéria, mas estabeleceu alguns princípios gerais de proteção de estabilidade, segurança, funcionalidade da rede e privacidade do usuário e, de outro lado, princípios que garantem a livre iniciativa, livre concorrência, neutralidade da rede e a liberdade dos modelos de negócio (artigos 2º e 3º da Lei 12.965/14).

Sopesados estes princípios, a decisão judicial em análise optou pela prevalência, no caso concreto, da livre iniciativa, seguindo posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, em 2009, ponderou que o spam, por si só, não consubstancia fundamento para justificar o dano moral, notadamente em função da possibilidade que o usuário tem de bloquear, apagar ou simplesmente recusar tais mensagens (REsp. 844736- DF, Min. Relator Honildo Amaral de Mello Castro, d.j. 27/10/2009).

Muito se fala, hoje em dia, em regulamentação do Marco Civil da Internet, excepcionando o princípio de neutralidade da rede, para permitir aos provedores interferir no tráfego de rede, bloqueando spams e dando prioridade a outros tipos de conteúdo ou aplicação. Embora tal excepcionalidade seja quase uma unanimidade, a regulamentação pretendida não trata, por óbvio, de responsabilidade civil.

Flávio Tartuce, por exemplo, adota posição diametralmente oposta ao que foi consignado pela decisão judicial em análise, afirmando que o spam configura flagrante abuso de direito, assemelhado ao ato ilícito pelas eventuais consequências, contraria o fim social e econômico da grande rede, o que já serviria para enquadrar a prática como abuso de direito, como conduta atentatória à boa-fé objetiva. (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011, p. 449-450.)

Tarcísio Teixeira, por seu turno, vai além, aplicando responsabilidade civil objetiva até mesmo para o provedor de e-mails, atribuindo-lhe o dever de indenizar o consumidor lesado pelo recebimento do spam. Para esse autor, se é o provedor quem faz a mensagem indesejada chegar ao usuário, nos termos do artigo 3º, caput do Código de Defesa do Consumidor, ele passa a ser fornecedor, por tal razão, cabe a ele também a responsabilidade pela reparação do dano causado (TEIXEIRA, Tarcísio. Curso de Direito e Processo Eletrônico. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 204).

Neste particular, peço vênia para discordar do ilustre autor, pois não há qualquer nexo de causalidade entre a atividade do provedor de correio eletrônico e o dano causado pelo spammer. O provedor em nada concorreu para a prática do ato reputado como ilícito. Vale dizer, se o comportamento do usuário foi o único elemento causador do dano, não há como responsabilizar o fornecedor de serviços, por absoluta ausência de nexo de causalidade entre sua atividade e o dano.

Como bem assinala Erica Brandino Barbagalo, “em regra não se pode responsabilizar o provedor de serviços de e-mail pelo recebimento dos malfadados spams, ou mensagens indesejadas, uma vez que não exerce esse provedor atividades de triagem. Seria o equivalente a responsabilizar os correios por cartas indesejadas. Em caso de dano provocado por spam, responde o causador do dano, ou seja, o remetente dessas mensagens.” (BARBAGALO, Erica Brandino. Aspectos da responsabilidade civil dos provedores de serviço de internet, in Conflitos sobre nomes de domínio e outras questões jurídicas da internet. LEMOS, Ronaldo, WAISBERG, Ivo (Coord), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 352 e 353)

A situação é diferente, por outro lado, na hipótese de o provedor ser condescendente com os e-mails não solicitados, deixando de bloquear os spams de uma conta de e-mail que insiste em fazê-lo, após o recebimento de uma ordem judicial, nos termos do que estabelece artigo 19 do Marco Civil da Internet. Nesta conjuntura, o provedor de e-mail poderá responder pelo dano causado, em função de sua negligência e omissão no atendimento da ordem judicial que determinou o bloqueio dos spams provenientes de uma determinada caixa postal virtual.

Resumindo, no que se refere ao Provedor de Correio Eletrônico, a meu ver, ele não responde pelos danos causados por spams enviados por seus usuários, justamente porque não interfere no envio e recebimento de tais mensagens. A responsabilidade civil pelo spam, em tese, somente pode ser imputada ao usuário (spammer) que o disseminou, desde que comprovado o dano, a conduta e o nexo de causalidade.