Perfil falso em rede de relacionamento

Data do Julgamento:
09/01/2017

Data da Publicação:
24/01/2017

Tribunal ou Vara: 2ª Vara do Juizado Especial Cível Butantã - São Paulo - SP

Tipo de recurso/Ação: Sentença

Número do Processo (Original/CNJ): 1008436-39.2016.8.26.0011

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juíza Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 19

Ementa:

"(...) Alega que há mais de um ano recebe e-mails da ré, que possui o domínio do site Badoo no Brasil (badoo.com.br), convidando-a a acessar um link de "admiradores", convite que sempre ignorou, até que recentemente acessou esse link e teve conhecimento da criação de perfil falso em seu nome no Badoo com dados e fotos extraídas sem autorização de sua página no Facebook. Diz que recebeu diversas mensagens de desconhecidos, algumas com conteúdo libidinoso, ocasionando problemas pessoais, pois é advogada e está noiva, sendo que o perfil falso causou ofensa à sua honra e imagem. Relatou o problema à ré, sem obter resposta. Requer a retirada do perfil falso do site da ré, com inibição de envio de e-mails para sua conta (***@hotmail.com), bem como a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, estimados em R$ 30.000,00. (...)"

  • Rodrigo  Cardoso Silva
    Rodrigo Cardoso Silva em 07/02/2017

    O recente caso judicial se deu em prol de uma representação particular em face da rede de relacionamento Badoo Brasil e/ou Badoo Trading Limited. Segundo consta nos autos da sentença, a requerente teve a honra e a imagem ofendidas mediante a criação falsa de perfil em seu nome no website de relacionamento Badoo, com a utilização, inclusive, de fotos pessoais extraídas da rede social Facebook. O fato trouxe à requerente desconforto social e de foro íntimo que abalou o seu estado afetivo e emocional.

    A decisão proferida em 09/01/2017, a meu ver, foi prematura, em razão de alguns pontos que necessitam de mais atenção ao fato. Vejamos.

    O item a) da sentença que extinguiu sem julgamento do mérito a representante brasileira do portal Badoo, sob a argumentação de que o modus operandi ocorreu no provedor de hospedagem ou conteúdo localizado em Londres, Inglaterra, interpretando, desta forma, que a corré MMV é um pólo passivo ilegítimo, evadindo-se da responsabilidade civil.

    De outra parte, a empresa Badoo britânica – claramente acionada pela representante brasileira, adentrou ao processo por livre e espontânea vontade, mas sem dar continuidade na audiência de conciliação e apresentação do seu contrato social.

    Pois bem, é percebido que carece nos autos qualquer menção para investigar a propriedade da conduta criminosa de invasão à privacidade e o crime de honra da requerente. Optou-se em buscar apenas a responsabilização ou não do caso com um argumento, aparentemente, confuso sobre registros .br ou .com.

    É importante lembrar que esses conceitos são técnicos da área tecnológica da Rede e não originados da legislação, seja nacional ou internacional. É um conjunto de regras ou protocolos para a construção da Internet nos seus primórdios.

    Contudo, por alguma razão desconhecida, alguns Country generic top-level domain (cgTLD) foram denotados como “internacionais”. Um erro de inferência e compreensão da Web com o contexto contratual dos serviços prestados.

    Destarte, a magistrada afirmou que: “Tem-se, portanto, que o site apontado na inicial - "badoo.com" possui domínio internacional, com extensão ".com", e, não, domínio registrado em território nacional destinado à atividades comerciais, necessariamente com extensão ".com.br", como o site "badoo.com.br", de titularidade da corré MMV”.

    Não obstante, o melhor juízo de valor para o julgado em tela deveria ter sido buscar na Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet (MCI), o embasamento jurídico apropriado para, assim, aplicar de maneira transversal as leis processuais do país. Ou seja, a falta de interpretação ou conhecimento do MCI faz com que a justiça atue de forma incompleta quando se diz respeito ao ecossistema da Internet.

    Neste sentido, apesar do art. 19 ter sido analisado no mérito da causa, os arts. 10 e 11, §§ 1º, 2º e 3º; e art. 21, todos do MCI, também deveriam estar no mérito, pois são notórios para o julgado em questão. Sendo que, o § 2º do art. 11 possui argumento jurídico poderoso para tornar a corré MMV pólo legítimo da ação, uma vez que presta serviço ao público brasileiro no seu sítio de aplicação de relacionamento.

    Neste sentido, aduziu a magistrada: “Conforme contrato social, a corré MMV tem por objeto a prestação de serviços relacionados a propriedade industrial em geral (cláusula quarta - fls. 101/102), cujos serviços incluem, dentre outros, o registro e manutenção de nomes de domínio no Brasil, como ponderado na contestação”.

    Para entender melhor essa reflexão, o juízo não reconheceu a corré MMV para realizar uma investigação mais detalhada com a Baddo sediada no exterior e, conseqüentemente, tentar encontrar o causador do dano. Mas preferiu ignorar os dispositivos mencionados acima e aplicar as condenações devidas de “praxe”.

    Outro ponto interessante é a inobservância da concorrência de causa para o evento danoso – art. 945, Código Civil. A requerente afirmou nos autos que detinha conhecimento de que o link enviado para o seu e-mail era suspeito e poderia causar algum dano pessoal.

    Além disso, a requerente possui o ofício de advogada, o que lhe dá sustentação para saber que o ambiente virtual também sofre de ações ardilosas e causadoras de danos. Demais, clicar em um link desconhecido por e-mail é um clichê da área de segurança da informação comumente exposto nos meios de comunicação ou, inclusive, da OAB-SP. Foi uma atitude bastante inocente ou curiosa, concorrendo, assim, com o próprio dano. Este fato também passou despercebido pelo órgão julgador.

    Isto faz refletir que apesar do MCI ser uma legislação exemplar e criada para dar segurança jurídica para todos os envolvidos na Internet, ela não disciplinou qualquer norma ou princípio para tornar mais claro os deveres dos usuários na Rede. É um tema polêmico, mas que deveria ser analisado melhor.

    Por fim, é importante mencionar que a posição da magistrada foi muito superficial ao fato, e que deveria dar mais atenção a esse tipo da causa para ajudar a construir um ambiente virtual mais seguro com a adoção do MCI.