Porta lógica e provedores de conexão

Data do Julgamento:
23/01/2017

Data da Publicação:
27/01/2017

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Agravo de Instrumento

Número do Processo (Original/CNJ): 2225114-64.2016.8.26.0000, 2216048-60.2016.8.26.0000 e 0010040-57.2015.8.26.0635

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Rel. Des. Grava Brazil

Câmara/Turma: 8ª Câmara de Direito Privado

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 5º, VIII; artigo 10, artigo 15, artigo 20 e artigo 22

Ementa:

"Ação de obrigação de fazer - Decisão que estendeu a tutela de urgência, determinando aos réus que forneçam os dados dos registros eletrônicos (endereço IP de origem, com sua respectiva porta lógica de origem, datas e horários), em 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, até R$ 20.000,00 - Inconformismo - Acolhimento - A princípio, prevalece a orientação de que o agravante não tem o dever de fornecer a porta lógica de origem, já que este dado técnico relaciona-se com a conexão à Internet - Decisão ajustada - Recurso provido."

"Ação de obrigação de fazer - Decisão que estendeu a tutela de urgência, determinando aos réus que forneçam os dados dos registros eletrônicos, em 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, até R$ 20.000,00, além de determinar que se abstenham de comunicar os usuários identificados acerca da presente demanda - Inconformismo - Acolhimento em parte - O fundado receio de lesão de direito e o grau de probabilidade da ilicitude permitem o imediato fornecimento dos dados cadastrais e dos registros eletrônicos atrelados à criação e/ou inserção do conteúdo questionado - Havendo o risco de perda/destruição de dados necessários à identificação dos usuários, na hipótese de dar ciência a eles do processo, melhor que não sejam notificados - A princípio, prevalece a orientação de que o agravante não tem o dever de fornecer a porta lógica de origem, já que este dado técnico relaciona-se com a conexão à Internet - Decisão reformada - Recurso provido em parte."

  • Cássio Brant
    Cássio Brant em 17/08/2017

    O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) ainda necessita de estudos pelos operadores do Direito. É perceptível a dificuldade em alguns julgados com questões técnicas que contornam o tema. Sem sombras de dúvidas, a legislação vigente trouxe facilidades para a solução de casos que envolvem, em grande parte, lesões aos direitos de personalidade.

    O anonimato na rede mundial de computadores é ainda uma das maiores dificuldades a ser combatida. A falsa ilusão de que a internet é uma terra sem lei acarreta em situações de exposição da imagem e honra das pessoas. Com a certeza da impunidade, alguns internautas usam perfis em redes sociais e cometem atrocidades.

    A Lei 12.965/14 traz no seu âmago uma forma de se conseguir identificar os responsáveis pelas lesões decorrentes do uso da internet. O usuário utiliza-se de um provedor de conexão que irá conceder um “sinal” para navegar pela web. Cada um recebe um respectivo número o qual é conhecido como IP (Internet Protocol). Este será como a impressão digital do usuário na rede. Nesta linha, optou o Marco Civil da Internet por usar este mecanismo para identificar os usuários e quebrar o sigilo de suas informações pessoais, desde que solicitados por ordem judicial.

    A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) fornece uma gama destes números de IP´s para os diversos provedores de internet que exploram este serviço. Desta forma, é possível pelo número IP conhecer qual a operadora que o usuário é assinante. Por exemplo, analisando um determinado número é possível saber se o cliente usa internet de uma operadora de telefonia móvel ou sinal de internet fixa, além de obviamente, a respectiva empresa que vende o serviço.

    A partir do conhecimento de que tal número pertence à determinada empresa de serviços de sinal de internet, é possível solicitar que esta forneça os dados cadastrais do assinante, como nome, CPF, endereço e os respectivos horários e endereços que este acessou. A grande questão é a falibilidade deste meio de prova. Imagine em uma residência ou empresa que diversas pessoas usam o mesmo sinal de internet? Só saberia de onde partiu a ofensa, entretanto, sem precisar de fato o verdadeiro autor.

    Não o bastante, imagine agora um mesmo IP sendo distribuído para diversos assinantes simultaneamente? Pois bem, tal fato na atual conjuntura tecnológica que o país enfrenta está acontecendo. A grande parte utiliza uma tecnologia antiga conhecida como IPv4. O entrave é que os números de IP estão se esgotando e não há como atender a novos terminais que se conectam na rede. A tecnologia mais moderna é a IPv6 e pelo fato de possuir 128 bits possui mais números de IP´s que a outra, que é de 32 bits.

    Como ainda o processo é gradativo para alterar a tecnologia e os números de IP´s estão diminuindo, algumas prestadoras de serviços de internet compartilham os mesmos números entre diferentes clientes. Isso é feito pelo que chamam de CGNAT ou Carrier Grade Nat. Trata-se de uma solução provisória em que um IP público é cedido a várias pessoas. Em contrapartida, é feito outro procedimento que chamam de “porta lógica de origem”, mas esta não é salva neste log do servidor de origem. É feito outro log acessório que se correlaciona com o primeiro. Daí pode-se identificar o real usuário. Na verdade, o procedimento é uma forma alternativa e provisória.

    O que se verifica é que os operadores do Direito acreditam que, por de trás do IP, existe um artifício a mais, ao qual se referem como se fosse sinônimo de uma tecnologia de ponta capaz de identificar precisamente o usuário. Na verdade, continua sendo a mesma premissa, o IP apenas individualiza o cliente principal. A confusão se dá pelo desconhecimento de que, pela ausência de mais IP´s para distribuir, devido ao uso da tecnologia IPv4 mostrar-se já insuficiente para a demanda, houve necessidade de soluções provisórias para driblar o problema. Na verdade, a “porta lógica de origem” é mais uma “gambiarra tecnológica” que criaram porque o mesmo número de IP é usado por vários clientes e, para atender aos preceitos do Marco Civil da Internet de fazer o logs de acesso do usuário, foi preciso criar outro banco de dados distinto para dar maior precisão de quais conexões pertencem a cada assinante.

    No Agravo de Instrumento de nº 2216048-60.2016.8.26.0000, oriundo do TJSP, percebe-se que a empresa Twitter foi condenada a fornecer o número de IP, assim como, enviar as “portas lógicas de origem”, data e horário de determinado usuário cadastrado, sob pena de multa diária. Obviamente, recorreu em razão de não possuir meios de fornecer os logs das “portas lógicas de origem”.

    De fato, a decisão da primeira instância se equivocou. Em primeiro, a empresa Twitter apenas é um site de conteúdo, enquadrando-se no que o Marco Civil da Internet chama de conexões de aplicações. É obrigada simplesmente armazenar o IP e os logs de acesso com data e horários. Não há como definitivamente identificar o usuário. A partir do número de IP da pessoa cadastrada no site Twitter, caberá descobrir de qual operadora de serviço de internet pertence e solicitar a esta os dados do cliente.

    Como em alguns casos, o IP de algumas operadoras de serviços de internet é o mesmo para vários clientes, faz sentido solicitar, além do log de acesso, os logs da “porta lógica de origem” que de fato irão identificar o local preciso de onde foram realizados determinados acessos ao site Twitter. Nestes casos, o simples log de acesso é inútil por não precisar quem de fato se cadastrou, visto que pode ser um gama de personagens.

    Há precedentes neste mesmo Tribunal de São Paulo em relação à “porta lógica de origem” e que, para os estudiosos do Marco Civil da Internet, trouxeram discussões variadas. Alguns afirmaram que solicitar estes logs afronta o que estava na lei, visto que não havia previsão legal para isso. Entenderam que a lei apenas previa a solicitação do log de conexão e de que a “porta lógica de origem” estava aquém do texto legal. Outros, entretanto, criaram interpretações sistemáticas de que era necessário o fornecimento destes dados a mais para a efetividade da lei.

    Na verdade, compreendendo a questão técnica e a situação precária vivenciada pelo IPv4 em decorrência da ausência de IP´s para distribuir no mercado brasileiro e, portanto, houve necessidade de soluções temporárias de migração de tecnologia até efetivação do IPv6, o pedido da “porta lógica de origem” tem o mesmo efeito do log de conexão. Inclusive um existe em decorrência do outro. Tratam-se estes logs de bens móveis intangíveis e, como todo bem acessório segue o principal, a justificativa se daria por esta razão. Não há como separar um banco de dados do outro.

    Na decisão de primeira instância deste agravo, percebe-se a dificuldade do magistrado em conhecer as atribuições de um servidor de internet e as de um site de conteúdo. Assim como, a percepção técnica do funcionamento de um IP e a razão da existência da “porta lógica de origem”.  Realmente, atrelar o Direito às questões de tecnologia não é tarefa fácil e o estudo do Marco Civil da Internet terá desdobramentos bem maiores que a cada dia surgirão.

    Não se pretende aqui fazer uma crítica severa ao judiciário pelo desconhecimento da Lei 12.965/2014, mas apontar a dificuldade do operador de Direito, em geral, nas questões mais complexas de tecnologia. A junção do conteúdo jurídico com a informática é ainda bem alienígena para os próprios estudiosos do assunto. É preciso intercomunicar as duas ciências para que haja coerência e efetivação nas decisões judiciais em torno deste assunto.