Golpes e necessidade de monitoramento de conteúdo

Data do Julgamento:
22/05/2017

Data da Publicação:
24/05/2017

Tribunal ou Vara: 4ª Vara Cível - Santo André - SP

Tipo de recurso/Ação: Sentença

Número do Processo (Original/CNJ): 2022283-90.2017.8.26.0000 e 1025461-85.2016.8.26.0554

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juiz Pedro Henrique do Nascimento Oliveira

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 19, § 1º

Ementa:

"SPCRED ASSESSORIA EXECUTIVA DE COBRANÇA E SERVIÇOS LTDA ajuizou ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipadaem face de LOCAWEB SERVIÇOS DE INTERNET S/A. Alega a existência de umsiteda internet, provido pela ré, que divulga os dados da autora como prestadora de empréstimo pessoal, de forma fraudulenta, sendo que diversas pessoas lhe procuraminformando terem sido vítimas do golpe. Requer seja a ré obrigada a excluir o referidositeda internet, proibindo-se a exibição de páginas que contenham expressões mentirosas queutilizam logomarca/logotipo da autora.(...)"

  • Marcelo  Crespo
    Marcelo Crespo em 13/08/2017

    O caso em questão se refere a uma ação de obrigação de fazer consistente em remoção de conteúdo e abstenção de novas publicações promovida por SP Cred contra a Locaweb. Isso porque, narrou a parte autora que há uma página na Internet que está disponibilizando dados (nome, CNPJ e endereço) da empresa e, com eles, praticando golpes contra vítimas indeterminadas.

    O julgado aqui analisado é um agravo de instrumento e o cerne da discussão é o cumprimento de parte da decisão de tutela antecipada de urgência que determina que a agravante promova busca/varredura/monitoramento de conteúdo com vista a e impedir que outra página surja com a mesma finalidade espúria da que fora inicialmente questionada.

    Na ação principal foi deferida tutela antecipada de urgência para que a provedora do site www.spcredassessoria.com.br (Locaweb), procedesse à exclusão da aludida página porque nela ocorria a utilização indevida do nome e logomarca da autora, aparentemente para a prática do crime de estelionato. A tutela antecipada também determinou que a ré se abstivesse de exibir no mencionado sítio, ou em outro, páginas que contenham expressões mentirosas e/ou que utilizem o nome e a logomarca da autora, até final decisão de mérito.

    A Locaweb cumpriu a primeira parte da tutela de urgência, removendo a página que disponibilizava dados indevidos e era usada para a prática de ilícitos. Todavia, agravou de instrumento para que não precisasse cumprir a segunda parte da decisão, isto é, para que não precisasse se abster “de exibir no mencionado sítio, ou em outro, páginas que contenham expressões mentirosas e/ou que utilizem o nome e a logomarca da autora, até final decisão de mérito.”

    Alegou a Locaweb que a primeira parte da decisão foi imediatamente cumprida mas que, quanto à segunda parte, era impossível porque hospeda mais de quatrocentas mil páginas “efetuando a contratação eletronicamente, não tendo ingerência ou responsabilidade pelo conteúdo incluído pelo próprio contratante e o pedido deve ser direcionado contra o titular do site, quem detém o controle sobre o conteúdo ali inserido.”

    Neste ponto não custa lembrar que há diversos tipos de provedores, todos com atuações bastante distintas, embora possam prestar um ou mais de um dos seguintes serviços: backbone, acesso, correio eletrônico, hospedagem, conteúdo, informação, etc.

    Além disso, insta salientar que o provedor de hospedagem (caso da Locaweb) é o responsável por armazenamento de dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto. Algo distinto dos provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na internet dos provedores de conteúdo, que disponibilizam as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação.

    O grande problema é que, a despeito dos argumentos trazidos pela agravante, a Locaweb, e da natureza dos modelos de negócios, o relator ignorou completamente a distinção entre provedores de serviços e conteúdo e negou provimento ao recurso para manter a determinação do juízo a quo no sentido de que a empresa se abstenha “de exibir no mencionado sítio, ou em outro, páginas que contenham expressões mentirosas e/ou que utilizem o nome e a logomarca da autora, até final decisão de mérito.”

    Ao nosso sentir, está evidente o equívoco da decisão judicial, que ignora a realidade dos modelos de negócios, impondo significativas alterações na prestação de serviços da mencionada empresa. A decisão é clara ao dizer que “Condições técnicas, portanto, certamente há” e, ainda, que é “Necessário apenas que haja o interesse na implementação desse programa de buscas.” Prosseguiu no sentido de que não é admissível alegar-se que tal providência demandaria recurso financeiros adicionais para a empresa porque o impacto não seria significativo já que “seria ele certamente diluído e diminuto em meio à renda obtida de seus mais diversos contratos, mais de 400 mil, como ela própria observou.” Além disso, aduziu que a implementação do monitoramento decorre do risco do negócio.

    Esqueceu-se, no entanto, que a fiscalização do conteúdo não é atividade intrínseca do provedor de hospedagem, de modo que não se pode reputar falha/defeituosa sua prestação de serviços. O que a decisão judicial poderia ter feito era determinar que a Locaweb deveria excluir outras páginas que contivessem conteúdo ilícito mediante a comunicação da existência delas pela SP Cred.

    A decisão, como se encontra, viola não apenas a lei, mas a lógica dos modelos de negócios na Internet.