Quebra de sigilo e conflito de competência

Data do Julgamento:
08/08/2017

Data da Publicação:
21/08/2017

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça da Paraíba - TJPB

Tipo de recurso/Ação: Conflito de Jurisdição

Número do Processo (Original/CNJ): 0000280-84.2017.815.0000 e 0011194-63.2013.815.2001

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juiz convocado Marcos William de Oliveira

Câmara/Turma: Câmara Criminal

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 22

Ementa:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO CÍVEL QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO CRIMINAL, EM RAZÃO DO PEDIDO DE QUEBRA DE DADOS DE USUÁRIO DE INTERNET. MATÉRIA REGULADA PELA LEI N. 12.925/2014 (MARCO CIVIL DA INTERNET). PLEITO QUE PODE SER AVIADO EM PROCESSOS CÍVEIS OU PENAIS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL, ORA SUSCITADO. PROCEDÊNCIA DO CONFLITO.
- De acordo com o art. 22 da Lei n. 12.925/2014 (Marco Civil da Internet), é autorizado ao interessado, com o objetivo de formar conjunto probatório em processos judiciais cíveis ou penais, requerer ao juízo da causa que ordene ao responsável pela guarda de dados de acesso a aplicações de internet que forneça os registros necessários para tal finalidade.
- Conflito julgado procedente."

  • Augusto Tavares Rosa Marcacini
    Augusto Tavares Rosa Marcacini em 12/09/2017

    Decidiu o Tribunal de Justiça da Paraíba um conflito de competência entre Juízo Cível e Criminal de sua própria Justiça Estadual, em que os órgãos judiciais de primeiro grau divergiam sobre a competência para uma ação em que o autor postulava que empresas de Internet fornecessem dados que permitissem a identificação de responsável por danos alegados. A ação foi ajuizada originalmente perante uma Vara Cível da Capital (João Pessoa), que declinou da competência, ordenando a remessa do feito para uma Vara Criminal. E esta, por sua vez, também se declarou incompetente para a causa e suscitou o conflito, que veio a julgamento pela Corte Estadual.

    Tratando-se de acórdão que decidiu um mero conflito de competência, não há informações mais completas em seu relatório acerca do objeto litigioso da ação principal, de modo que aceita-se, nestes comentários, a afirmação contida no voto de que o pedido formulado pelo autor teria natureza civil.

    Conclui-se, igualmente pelo voto, que a competência teria sido declinada pelo Juízo Cível sob o fundamento de que a quebra de dados de usuários de Internet é medida judicial que estaria afeta à competência da Vara Criminal.

    Acertadamente, o TJPB decidiu o conflito pela afirmação da competência da Vara Cível. Em verdade, a fundamentação dada pelo Tribunal foi razoavelmente simples, pois a questão é referida em texto literal de lei federal, isto é, no art. 22 do Marco Civil da Internet, que com meridiana clareza afirma que a solicitação de registros de conexão ou de acesso pode ser apresentada tanto em “processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo”.

    De todo modo, no sentido de melhor analisar, em seus aspectos teóricos, os motivos da primeira declinação da competência, que indubitavelmente estavam equivocados, convém distinguir alguns conceitos jurídico-processuais que não poderiam ter sido confundidos.

    Não existe distribuição de competência entre órgãos judiciais em função da natureza de atos processuais isolados, ou das medidas judiciais que o autor requeira. Na clássica doutrina sobre os critérios para fixação de competência, encontramos os critérios territorial (que evidentemente não diz respeito à questão ora analisada), objetivo (subdividido em competência em razão das pessoas, em razão da matéria e em razão do valor) e o nem sempre bem compreendido critério funcional.

    No caso ora abordado, se o direito postulado tinha natureza civil (como o afirma o acórdão), as regras de competência em razão da matéria já seriam bastantes para definir a Vara Cível como competente para a causa. E, em qualquer causa, tem a parte o direito à produção de todos os meios lícitos de prova, ainda que não previstos na lei (art. 369, do CPC/2015, que confirmou as anteriores disposições do art. 332 do CPC/1973), não se conhecendo, no ordenamento, divisão de competência para atos específicos em função do tipo de medida solicitada, ou da prova cuja produção se requeira. Observa-se, é verdade, uma espécie de competência territorial-funcional para a prática de determinados atos processuais (que podem incluir a colheita de provas), quando o ato deva ser praticado noutra localidade, diversa daquela em que corre o processo, caso em que se realiza por carta (precatória, de ordem, ou rogatória). Assim, ouve-se por carta a testemunha domiciliada fora da sede do juízo, ou também por carta se realiza a perícia, quando o objeto a ser vistoriado se encontra noutra comarca. Mas, neste caso, apenas o ato processual isolado é praticado pelo órgão judicial requerido, não afetando a competência para o recebimento, processamento e julgamento final da causa, que foi definido pela conjunção dos critérios objetivo e territorial.

    Em verdade, não parece sequer que o art. 22 do Marco Civil esteja a tratar especialmente da competência dos órgãos judiciais. O texto nitidamente se presta a confirmar o direito das partes aos meios de prova ali especificados (o que já se poderia concluir do sistema geral de provas, do princípio do contraditório e da já referida regra do art. 369 do CPC). Nem soa como um meio atípico de prova trazido pelo Marco Civil: tal pedido, no fundo, tem a mesma natureza da exibição de documento ou coisa, conhecida ao menos desde o tempo do Direito Romano.

    É sabido que a Constituição restringe às causas penais a possibilidade de prova por interceptação da comunicação (art. 5º, XII), mas isto, igualmente, não diz respeito à competência. Se não se tratar de causa penal, um tal pedido de interceptação deve ser simplesmente indeferido pelo magistrado, não sendo a hipótese de deslocar a competência da causa civil para o juízo penal. Mas, pelo que se observa do voto em análise, também não era esse o caso, pois não há que se confundir dados de cadastro, registros de conexão e de acesso, ou outro dado qualquer, com o conteúdo das comunicações, e apenas este último se encontra abarcado pela limitação constitucional.

    Enfim, causas cíveis são obviamente da competência do Juízo Cível. E nenhum ato ou prova que se requeira no processo civil é fator de modificação da competência.