Facebook e violência contra a mulher

Data do Julgamento:
17/06/2019

Data da Publicação:
17/06/2019

Tribunal ou Vara: 27ª Vara Federal - Rio de Janeiro - RJ

Tipo de recurso/Ação: Ação Civil Pública - Despacho

Número do Processo (Original/CNJ): 5038706-31.2019.4.02.5101

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juíza Federal Geraldine Vital

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 2º, II

Ementa:

"Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. em que objetiva a concessão de tutela antecipada “para se determinar à Ré o atendimento das seguintes medidas:

a) modificar seus regulamentos vigentes no território brasileiro e práticas consuetudinárias que respaldam a persistência e a tolerância da violência contra a mulher em conteúdos postados por brasileiros ou em território nacional, no serviço Facebook;

b) estabelecer mecanismos internos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência cometida através do serviço FACEBOOK em território nacional seja rapidamente assistida pela empresa Ré;

c) adotar medidas específicas, inclusive programas destinados a promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos;

d) desenvolver campanhas voltadas a combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher.”

Informa inicialmente o MPF que os fatos que constituem a causa de pedir da demanda foram apurados no Inquérito Civil nº 1.30.001.000316/2019-15, instaurado a partir de representação encaminhada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro que noticia a ocorrência de comentários misóginos contidos em página do Facebook de nome “Cultura dos Homens Livres”.

Aduz que, instado pelo Ministério Público Federal a se manifestar sobre o conteúdo ofensivo constatado, a empresa Ré, por seus advogados, manifestou-se no sentido de que “os Operadores do site Facebook (...) afirmaram que os conteúdos e respectivos comentários não violam os Termos de Serviço e Padrões de Comunidade do Facebook, razão pela qual estão ativos na plataforma e não foram adotadas providências administrativas em relação a eles”.

Alega que encontram-se vigentes e vinculantes no Estado Brasileiro as Convenções da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto Presidencial 4.377, de 13 de setembro de 2002), e a Convenção da OEA para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que informam que a proteção jurídica contra a discriminação de gênero abrange a adoção de medidas adequadas e eficazes para combater a discriminação contra as mulheres praticadas por “qualquer pessoa, organização ou empresa” inclusive no que se refere a “preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres”.

Defende que os comentários registrados no serviço Facebook, mantido pela Ré, estão eivados de concepções preconceituosas e estereotipadas acerca das mulheres, chamadas de “vagabundas” e “parasitas” e claramente inferiorizadas nos comentários ainda hoje acessíveis por qualquer pessoa na Internet. Relata que tais publicações, hospedadas no serviço da ré com o seu conhecimento e consentimento, veiculam ofensas morais à dignidade de um número indeterminado de mulheres.

Afirma que existe regra específica nos “Termos de Serviço” e nos “Padrões da Comunidade” da Ré que veda manifestações discriminatórias, porém tal regra deixou imotivadamente de ser aplicada pela Ré no caso de evidente discriminação de gênero registrada nos autos do Inquérito Civil que originou esta ação.

Relata que não se postula nesta ação a responsabilidade civil do provedor pelo ato ilícito, mas sim, como segundo pedido, a condenação da Ré em obrigação de fazer apta a impedir, para o futuro, a proliferação de comentários discriminatórios contra as mulheres, com o conhecimento da empresa, como se verificou no presente caso.

Assevera que não parece ser suficiente a mera declaração genérica de que conteúdos discriminatórios violam os termos de serviço, cabendo à empresa Ré, em razão da constatada falha na detecção de conteúdo discriminatório, adotar medidas internas positivas no sentido de melhorar a resposta a conteúdos discriminatórios contra mulheres, tendo como parâmetro os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.

Petição inicial, acompanhada de documentos (Evento 1). (...)"