Ofensa à religião e liberdade de expressão

Data do Julgamento:
05/02/2019

Data da Publicação:
12/02/2019

Tribunal ou Vara: Superior Tribunal de Justiça - STJ

Tipo de recurso/Ação: Recurso Especial

Número do Processo (Original/CNJ): 1024271-28.2015.8.26.0100

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Min. Ricardo Villas Bôas Cueva

Câmara/Turma: 3ª Turma

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 22, I.

Ementa:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INTERNET. RETIRADA DE CONTEÚDO. YOUTUBE. VIDEOCLIPE MUSICAL. CONFLITO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. INVIOLABILIDADE RELIGIOSA. ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO. VÍCIOS. INEXISTÊNCIA. ART. 489, §§ 1º E 2º, DO CPC/2015. TÉCNICA DE PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS. NULIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÉRITO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA Nº 7/STJ. SÚMULA Nº 284/STF. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a aferir se houve omissão no acórdão recorrido e se foram observados os critérios previstos no art. 489, §§ 1º e 2º, do CPC/2015 no que diz respeito à fundamentação de decisão judicial baseada na ponderação de princípios constitucionais. 3. No caso concreto, a recorrente ajuizou ação indenizatória objetivando a remoção de vídeos do YouTube sob a alegação de possuírem conteúdo ofensivo à liturgia da religião islâmica em virtude da utilização indevida de trechos do Alcorão, remixados em música do gênero funk. A demanda foi julgada improcedente em primeiro e segundo graus, tendo sido a decisão fundamentada na ausência de ilicitude, a partir da ponderação entre a liberdade de expressão e a inviolabilidade das liturgias religiosas.4. Não há violação do art. 1.022 do CPC/2015 se o Tribunal de origem examina de forma clara, precisa e completa as questões relevantes do processo e os argumentos capazes de infirmar a sua conclusão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. 5. Na hipótese, o acórdão recorrido efetivamente analisou a tese autoral, inclusive o argumento de que a mera utilização de trechos do Alcorão violaria a proteção da crença religiosa, apenas não no sentido pretendido pela parte. 6. O art. 489 do CPC/2015 dispõe que constituem elementos essenciais da sentença o relatório, a fundamentação e o dispositivo e elenca parâmetros para aferir se uma decisão judicial - seja ela interlocutória, sentença ou acórdão - ostenta motivação jurídica racional e apropriada para o caso concreto analisado, correspondendo à entrega de uma prestação jurisdicional efetiva, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.7. O § 2º do art. 489 do CPC/2015 estabelece balizas para a aplicação da técnica da ponderação visando a assegurar a racionalidade e a controlabilidade da decisão judicial, sem implicar a revogação de outros critérios de resolução de antinomias, tais como os expostos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que permanecem aplicáveis. Apenas se configura nulidade por violação do § 2º do art. 489 do CPC/2015 na hipótese de ausência ou flagrante deficiência da justificação do objeto, dos critérios gerais da ponderação realizada e das premissas fáticas e jurídicas que embasaram a conclusão, ou seja, quando não for possível depreender dos fundamentos da decisão o motivo pelo qual a ponderação foi necessária para solucionar o caso concreto e de que forma se estruturou o juízo valorativo do aplicador.9. O exame da validade/nulidade da decisão que aplicar a técnica da ponderação deve considerar o disposto nos arts. 282 e 489, § 3º, do CPC/2015, segundo os quais a decisão judicial constitui um todo unitário a ser interpretado a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé, não se pronunciando a nulidade quando não houver prejuízo à parte que alega ou quando o mérito puder ser decidido a favor da parte a quem aproveite.10. A pretensão de rever o mérito da ponderação aplicada pelo Tribunal de origem não se confunde com a alegação de nulidade por ofensa ao art. 489, § 2º, do CPC/2015. 11. No âmbito de recurso especial, o reexame do mérito da ponderação efetuada pressupõe que se trate de matéria infraconstitucional e que constem das razões recursais as normas conflitantes e as teses que demonstram a suposta violação/negativa de vigência da legislação federal.12. Tratando-se da ponderação entre normas ou princípios eminentemente constitucionais, não cabe a esta Corte Superior apreciar a correção do entendimento firmado no acórdão recorrido, sob pena de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal.13. No caso concreto, o recurso especial está fundamentado apenas na alegação de violação dos arts. 1.022 e 489, §§ 1º e § 2º do CPC/2015, sendo manifestamente incabível a reforma do acórdão recorrido no mérito, seja por incidência das Súmulas nºs 7/STJ e 284/STF, seja por se tratar de matéria eminentemente constitucional, afeta à competência do STF.14. Recurso especial parcialmente conhecido apenas quanto ao pedido de decretação da nulidade do acórdão recorrido e, nessa extensão, não provido."