Uso indevido de marca e remoção de conteúdo

Data do Julgamento:
11/07/2018

Data da Publicação:
12/07/2018

Tribunal ou Vara: 19ª Vara Cível Central - São Paulo - SP

Tipo de recurso/Ação: Sentença

Número do Processo (Original/CNJ): 1092790-84.2017.8.26.0100 e 2196433-50.2017.8.26.0000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Juíza Renata Barros Souto Maior Baião

Câmara/Turma: -

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 10, artigo 19, §1º e artigo 20

Ementa:

"BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. e SANTANDER INVESTMENT BANK LTD. ajuizaram ação em face de GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., alegando, em apertada síntese, terem tomado conhecimento de vídeos divulgados e compartilhados na rede social Youtube, que estão utilizando indevidamente o nome empresarial e a marca Santander para propalar uma “nota de esclarecimento” acerca do encerramento da mostra artística “Queermuseu cartografias da diferença na arte brasileira”, exposta no espaço Santander Cultural, em Porto Alegre/RS. Sustentaram que os vídeos extrapolam os limites da liberdade de expressão, promovendo grave ofensa contra os autores, com o intuito de desmoralizá-los. Assim, requereram a concessão de tutela antecipada para remover integralmente o conteúdo infringente das URLs mencionadas à inicial e para obstar a requerida de comunicar aos usuários dos vídeos acerca da demanda e respectiva ordem judicial de remoção. Ao final, postularam pela procedência do pedido para condenar a requerida a retirar imediatamente os vídeos constantes das URLs citadas à inicial.

Juntou documentos (fls. 16/63).

Deferido pedido de tutela de urgência para que a ré promova a remoção dos links indicados e abstenha-se de comunicar aos usuários responsáveis pelas postagens dos vídeos quanto aos motivos e informações referentes à indisponibilização do conteúdo (fls. 64/67), houve a interposição de agravo de instrumento pela parte requerida (fls. 91/92), ao qual foi dado provimento para reformar a decisão agravada, autorizando-se a comunicação da tutela de urgência aos usuários responsáveis pelas postagens dos vídeos acerca dos motivos e informações referentes à indisponibilização do conteúdo (fls. 263/453).

Devidamente citada (fls. 86), a requerida apresentou contestação (fls. 104/118), acompanhada de documentos (fls. 119/147), na qual alegou a absoluta licitude do conteúdo em questão, tratando-se de prevalência da liberdade de expressão e pensamento crítico. Afirmou que o vídeo utiliza o humor e que o pedido de abstenção de comunicação do bloqueio de conteúdo aos autores do vídeo viola o art. 20 da Lei nº 12.695/2014. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos formulados.

Sobreveio réplica (fls. 458/463).

Intimadas a se manifestarem sobre eventual interesse na audiência de conciliação e na produção de provas (fls. 464), as partes requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 466/467 e fls. 475/476). (...)"

  • Marcelo  Frullani Lopes
    Marcelo Frullani Lopes em 22/03/2018

    Dentre as diversas polêmicas que marcaram o ano de 2017, uma que será lembrada por muito tempo é a que envolveu a exposição Queermuseu, realizada e posteriormente cancelada pelo Banco Santander. Mas a polêmica não ficou apenas na lembrança, pois diversas questões jurídicas envolvendo esse caso ainda serão discutidas. Uma dessas questões envolve a interpretação de um dispositivo do Marco Civil da Internet.

    Logo após a exposição ser repercutida pela mídia, usuários do YouTube compartilharam um vídeo que continha uma “nota de esclarecimento” falsamente atribuída ao Santander, por meio da qual o banco supostamente lamentaria o fato de “estar presente em um país com uma visão tão retrógrada e ultrapassada, onde simples manifestações de arte contemporânea são vistas como ofensivas por uma direita ultra-radical, fascista, hetero-normativa e opressora”.

    O Santander ajuizou uma ação em face do Google, requerendo que fosse determinada por liminar a retirada do vídeo em questão dos perfis dos usuários que compartilharam, em virtude do uso indevido da marca e do nome empresarial da instituição financeira, bem como pelo prejuízo que o conteúdo em questão poderia acarretar à reputação do banco perante os consumidores. Mas não apenas isso: requereu-se ainda que o Google se abstivesse de comunicar aos usuários que compartilharam o vídeo os motivos da retirada. A juíza de primeira instância concedeu tutela antecipada quanto a todos esses pedidos do Santander.

    Aqui, discutirei apenas este segundo pedido, que foi o único objeto do agravo de instrumento interposto pelo Google. O debate envolve a interpretação do artigo 20 do Marco Civil da Internet, cuja redação é a seguinte:
     

    Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.

    Parágrafo único. Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível, o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento à indisponibilização.


    O caput do artigo estabelece de forma clara que a regra é a comunicação dos motivos da indisponibilização do conteúdo para o usuário. A finalidade disso encontra-se prevista no dispositivo, isto é, permitir o contraditório e a ampla defesa em juízo. Mas há também um interesse social ligado ao direito à informação; por isso o parágrafo único estabelece que o usuário pode solicitar que o conteúdo tornado indisponível seja substituído pela motivação ou ordem judicial que deu fundamento à retirada. Há duas exceções à regra de comunicação, previstas na parte final do caput: se houver “previsão legal” ou “expressa determinação judicial fundamentada em contrário”.

    No caso discutido aqui, a juíza de primeiro grau determinou que a retirada não fosse comunicada aos usuários que compartilharam o vídeo, utilizando como fundamento a parte final do caput do artigo 20 (previsão de restrição à regra da comunicação por decisão judicial fundamentada); segundo a magistrada, não haveria prejuízos à liberdade de expressão, ao contraditório e à ampla defesa dos usuários caso eles não fossem comunicados.

    Ao contrário do que sustentou a magistrada, é indubitável que a primeira medida (retirada dos vídeos) limita a liberdade de expressão, e a segunda (ausência de comunicação dos motivos) limita o contraditório e a ampla defesa. O artigo 20, de fato, prevê que em algumas hipóteses é possível restringir a comunicação aos usuários, mas o magistrado deve fundamentar essa restrição.

    O dispositivo do Marco Civil não condiciona a comunicação à demonstração de prejuízo ao usuário que postou o conteúdo. Na verdade, a regra é que o usuário seja comunicado; para essa regra ser afastada, deve-se demonstrar o prejuízo que essa comunicação poderia causar a outros bens ou interesses juridicamente protegidos, como o resultado útil do processo ou a identificação dos autores dos vídeos.

    Prejuízo à liberdade de expressão do usuário sempre haverá quando um vídeo postado por ele seja retirado sem o seu consentimento. Assim como haverá prejuízo à ampla defesa e ao contraditório caso ele não seja informado dos motivos da indisponibilização. Por isso a regra estabelecida pelo Marco Civil é a comunicação. O que se deve analisar no caso concreto, porém, é se essa comunicação pode causar um dano a outros bens ou interesses juridicamente protegidos. Nessa hipótese, o juiz deve avaliar se este último prejuízo pode ser mais gravoso que aqueles: se for, pode restringir a comunicação; se não for, deve seguir a regra e permitir a comunicação aos usuários.

    Felizmente, a decisão liminar foi reformada em sede de agravo de instrumento. O Desembargador Relator ressaltou em seu voto que o processo não está em segredo de justiça, e que a decisão que determinou a retirada dos vídeos foi amplamente divulgada na imprensa. Sendo assim, a comunicação aos usuários não acarretaria qualquer “risco de ocultação ou eliminação de informações necessárias à identificação dos usuários e sua responsabilização pelo ilícito supostamente cometido”.