Remoção de perfil e responsabilização

Data do Julgamento:
21/09/2016

Data da Publicação:
13/10/2016

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDFT

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 0023324-25.2015.8.07.0001 e 0007701-06.2015.8.07.0005

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Arnoldo Camanho

Câmara/Turma: 4ª Turma Cível

Artigos do MCI mencionados:

Artigo18; artigo 19, § 1º e artigo 21

Ementa:

"APELAÇÃO CÍVEL. PROVEDOR DA INTERNET. OFENSAS INSERIDAS POR TERCEIROS. ARTS. 18, 19, § 1º, 21, DA LEI Nº 12.965/2014. RESPONSABILIDADE CIVIL. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA.
1. De acordo com os arts. 18, 19, § 1º e 21, da Lei nº 12965, de 23 de abril de 2014, o provedor de internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, a não ser que tenha descumprido ordem judicial específica de tornar indisponível o conteúdo inapropriado.
2. Apelo não provido."

  • Marcelo  Frullani Lopes
    Marcelo Frullani Lopes em 18/09/2017

    Trata-se de caso envolvendo uma página de Facebook criada por apoiadores do deputado federal Jair Bolsonaro intitulada “Eu também não estupraria Maria do Rosário”, na qual foram postadas diversas frases e montagens ofensivas à deputada. No início do processo, ela obteve uma liminar que determinou a retirada imediata da página, com ordem para que o Facebook armazenasse os dados relativos aos registros de acesso de aplicações do perfil que a criou. A decisão foi imediatamente cumprida; gerou uma discussão mais complexa, porém, outro pedido apresentado pela deputada: que coubesse à própria rede social indenizá-la pelos danos causados em função das ofensas publicadas na página.

    A favor do Facebook, invoca-se o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), o qual estabelece que o provedor de aplicações deve ser responsabilizado apenas caso descumpra ordem judicial que determine a retirada do conteúdo produzido por terceiro. Cabe lembrar que o MCI conceitua no artigo 5°, inciso VII, aplicações de internet como funcionalidades que podem ser acessadas por meio da internet. O Facebook, Twitter, YouTube e Google são espécies de provedores de aplicações, pois disponibilizam funcionalidades aos usuários por esse meio. Antes da entrada em vigor dessa Lei, os tribunais brasileiros adotavam majoritariamente o entendimento de que provedores dessa espécie seriam responsabilizados caso descumprissem mera notificação enviada pela própria vítima, por meio da qual esta solicitava a exclusão do conteúdo.

    O MCI retirou desses provedores, portanto, o ônus de avaliar a licitude dos conteúdos produzidos por usuários. Cabe ao Judiciário realizar essa análise, a não ser nas hipóteses previstas pelo artigo 21 (materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado), em relação às quais continua bastando o descumprimento de notificação para gerar o dever de indenizar. O artigo 19 do MCI é objeto de diversas críticas, no sentido de que a opção do legislador representou um retrocesso quanto à proteção de vítimas de ofensas; por outro lado, seus defensores ressaltam que deve caber ao Judiciário avaliar a licitude de manifestações do pensamento dos usuários, e não aos provedores, pois isso leva a uma proteção maior da liberdade de expressão.

    Mas o dispositivo também sofreu críticas relacionadas a uma suposta inconstitucionalidade, que são as que mais nos interessam aqui. Antes de explicar o que fundamenta essas últimas críticas, deve-se ressaltar que o Facebook, além de provedor de aplicações no contexto do MCI, é considerado “fornecedor” nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo que não receba remuneração diretamente de seus usuários. A rede social obtém lucros de forma indireta, seja através de propagandas, ou de comercialização de dados dos usuários. As normas brasileiras criadas para regular relações de consumo são bastante protetivas à parte mais fraca, que é o consumidor. De acordo com nossa lei, consumidor não é apenas quem tem um perfil na rede social, mas também aquele que seja vítima de danos causados pelo uso da mesma (consumidor por equiparação – artigo 17 do CDC).

    Segundo aqueles que defendem a inconstitucionalidade (ao menos parcial) do artigo 19, se aquele que sofre o dano for considerado consumidor, a exigência de que o mesmo ingresse com uma ação judicial para retirar o conteúdo ofensivo contraria a sistemática de proteção dos consumidores prevista na Constituição e no CDC, além de estabelecer uma hierarquia entre direitos constitucionais que estariam no mesmo “nível”, com uma preferência clara da liberdade de expressão em relação a outros direitos como a honra e a imagem das pessoas. Isto é, para proteger a liberdade de expressão, o artigo 19 teria se excedido, deixando muito desprotegidos outros direitos previstos na Constituição. Esse desequilíbrio seria, pois, inconstitucional.

    Dentro do campo dos que defendem a inconstitucionalidade desse dispositivo do MCI, abrem-se dois caminhos: uma parte mais radical acredita que os provedores devem responder de forma objetiva, ou seja, bastaria a publicação do conteúdo ofensivo por terceiro para que o provedor se tornasse responsável pelos danos causados, independentemente de culpa (aplicação da responsabilidade objetiva prevista no CDC); já outra parte defende uma interpretação que adeque o artigo 19 à Constituição, de modo que a responsabilidade do provedor surge caso tome ciência do conteúdo ilícito (por meio de uma notificação enviada pela própria vítima, por exemplo) e não o retire do ar. Ou seja, essa segunda corrente defende que há responsabilidade subjetiva, porém a culpa do provedor decorre do mero descumprimento de notificação extrajudicial, na mesma linha do entendimento do STJ antes da entrada em vigor do MCI.

    A tese defendida pelo deputada é a da responsabilidade objetiva; já o segundo caminho é defendido por doutrinadores como Cláudio Luiz Bueno de Godoy [1] e Cíntia Rosa Pereira de Lima [2], por exemplo. O presente caso seguiu a jurisprudência praticamente unânime de nossos tribunais, no sentido de que o artigo 19 não contraria a Constituição. Assim, considerou-se que a responsabilidade dos provedores de aplicações por conteúdo ilícito produzido por terceiros é subjetiva e, em regra, decorre do descumprimento de ordem judicial. Porém, é importante permanecer atento a essa discussão envolvendo a inconstitucionalidade desse dispositivo do MCI, pois, caso alguma das duas teses citadas anteriormente passe a ser aceita por nossos tribunais, pode causar grande insegurança jurídica aos provedores.

    [1] GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Uma análise crítica da responsabilidade civil dos provedores na Lei n° 12.965/14 in LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira de (orgs.). Direito & Internet III – Tomo II. São Paulo: Quartier Latin, 2015. pp. 307-319.
    [2] LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do Marco Civil da Internet. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 110. jan/dez 2015. pp. 155-176.