Neutralidade da rede e prática de spam

Data do Julgamento:
13/09/2018

Data da Publicação:
19/09/2018

Tribunal ou Vara: Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP

Tipo de recurso/Ação: Apelação Cível

Número do Processo (Original/CNJ): 1000984-09.2015.8.26.0400 e 2013373-11.2016.8.26.0000

Nome do relator ou Juiz (caso sentença): Des. Luis Fernando Nishi

Câmara/Turma: 32ª Câmara de Direito Privado

Artigos do MCI mencionados:

Artigo 2º, III, IV, V; artigo 3º, IV; artigo 4º, II; artigo 7º, II e artigo 9º.

Ementa:

"APELAÇÃO - Ação de obrigação de fazer visando ao desbloqueio da transmissão de dados entre as redes de internet mantidas pelas partes, para que os usuários da rede da autora possam enviar e-mails aos usuários da rede do réu - Preliminar - Sentença 'extra petita' - Inocorrência - Mérito - Impossibilidade de restrição dos dados transmitidos pelo provedor da autora - Multa por embargos de declaração protelatórios afastada - Recurso provido, em parte, para afastar a multa."

  • - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ]
    - Omar Kaminski - [ Gestor do OMCI ] em 20/09/2018

    Trata-se de uma das primeiras, senão a primeira ação das ainda poucas no Brasil que discutem o cabimento e aplicabilidade do novel princípio da Neutralidade de Rede previsto na Lei nº 12.965/14 (e em seu decreto regulamentador de data posterior à propositura da ação).

    A ação foi proposta junto à 2ª Vara Cível de Olímpia/SP em 24 de março de 2015, recebeu sentença em 19 de outubro do mesmo ano; teve apelação interposta em 29 de janeiro de 2016 que foi julgada em 13 de setembro de 2018 pela 32ª Câmara de Direito Privado do TJSP.

    A empresa IPGlobe, autora da ação, alegou que a requerida UOL infringiu o Marco Civil da Internet por ter bloqueado intencionalmente sua rede, impedindo assim a transmissão de dados e por conseguinte que seus clientes enviassem emails (especialmente "e-mails marketing") aos usuários daquela.

    A requerida, por sua vez e na qualidade de administradora de contas de e-mails, defendeu-se afirmando que detectou um número considerável de mensagens de publicidade ("spam") vindas da autora, que por sua vez sustentou a ocorrência de prática anticoncorrencial, pela atuação no mesmo segmento.

    Para a solução das questões jurídicas, o magistrado Lucas Figueiredo Alves da Silva entendeu cabível a citação dos seguintes dispositivos da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet): art. 2º, III, IV e V; art. 3º, IV; art. 4º, II, art. 7º, II e art. 9º.

    Segundo ficou consignado na sentença, a ré UOL
     

    "não pode, sem autorização expressa de seus usuários/consumidores, efetuar controle de conteúdo de mensagens eletrônicas destinadas aos respectivos usuários/consumidores, sob pena de violação do fluxo das comunicações".


    Já a requerente IPGlobe, por sua vez, não pode "sem autorização expressa de seus usuários/consumidores" executar o envio de publicidade por meio de e-mails.

    Condenada parcialmente a ré e estabelecida multa de R$1000 por cada descumprimento, em sede de apelação o relator, desembargador Luis Fernando Nishi, entendeu com base no art. 9º do Marco Civll e seus parágrafos que não se mostra legítimo "que o UOL realize o bloqueio da transmissão de dados oriundos da rede da IPGLOBE".

    Para o relator "a UOL não tem legitimação extraordinária para tutelar tais direitos metaindividuais em nome próprio". Ainda, segundo o magistrado de segundo grau:
     

    "O argumento de que não se trata de controle de conteúdo é irrelevante diante do disposto no artigo 9º, que busca evitar distinção de tratamento também em relação à origem, destino, serviço, terminal ou aplicação. E, nesse sentido, o bloqueio do IP da autora fere, também, a exigência de tratamento isonômico de dados, já que o UOL permite a transmissão de dados relacionados a publicidade, enviados por seus próprios usuários através do serviço de e-mail marketing, não havendo razão para que faça distinção em relação a dados que tenham o mesmo objeto ou natureza, mas oriundos de provedor diverso."


    Em resumo, ficou consignado em sede de apelação que se o provedor de aplicações desejar tutelar seus usuários no que tange ao recebimento de spam, deverá fornecer em seus serviços a possibilidade de seus clientes recusarem o recebimento de e-mails de publicidade, e não bloquear o número IP utilizado pela prestadora concorrente, pois assim procedendo irá ferir a exigência de tratamento isonômico dos dados e por conseguinte, a neutralidade de rede prevista no Marco Civil da Internet. E porque alguns clientes podem optar (opt-in) em receber propagandas por e-mail.

    Ou seja, ao longo de todos estes anos a questão do "spam" ainda não foi suficientemente dirimida, pois a grosso modo a decisão nada mais fez do que autorizar a prática ao invés de condená-la, cabendo ao usuário final o "opt-out", bloqueio ou filtragem.

    A apelação foi provida em parte tão somente para afastar a condenação em multa pecuniária de 1% do valor da causa por interposição de embargos de declaração considerados protelatórios pelo juiz singular.

    Quando da publicação deste comentário ainda era cabível a interposição de recurso junto aos Tribunais superiores.